domingo, 2 de junho de 2013

VALHA-NOS O CSGG!


José Luís Vaz

Existe há muito tempo um pequeno país ladeado por água, não se sabe, se foi porque a natureza assim o quis, se pela água metida pelos “regedores do reino”. Do lado oposto, virado a leste e também a norte, um outro país, maior, com pessoas, de menos brandos costumes, e talvez por isso, sem grandes “confianças” de vizinhança. A sul, mais água, mas em menor quantidade. Um barquito razoável chega a terra em pouco tempo. Dizem que são terras de África!...
Era um pequeno país
Então conta-se que, naquele país, por influência dum “velho regedor” que por lá se manteve uma série de anos, ainda hoje praticam uma filosofia influenciada pelos “orgulhosamente sós”, “somos pobrezinhos, mas honestos“, “cada um em sua casa é que está bem” e uns tantos outros que os herdeiros do reino foram implantando conforme o que mais lhes convinha. Quando livres do velho ditador, porque a morte o encaminhou, tiveram uma ideia fantástica. Qual “orgulhosamente sós” qual carapuça, vamos é tratar de vida. Havia uma organização, lá para a Europa, a que chamavam CEE, segundo constava formada por gente com ideais que tinham por princípio a solidariedade. Na época, era uma palavra que naquele país pequeno, ladeado por muita água, era como se fosse uma coisa oca. Não fazia lá muito sentido…Todos juntos, objetivos comuns?... “Cada um em sua casa é que está bem”, o povo sempre o disse, sabe-se lá porquê? Se bem o pensaram, melhor o fizeram. 
Foi uma festa! Agora, dinheiro não ia faltar! Havia uma condição: fazer auto-estradas. Sem
Dinheiro não ía faltar...
óptimas vias de comunicação era impossível o desenvolvimento. E então deitaram mãos à obra e toca a desenvolver o país pequeno que agora tinha oportunidade de se modernizar e até de crescer… Lá para o lado do mar podiam-se fazer uns quilómetros de estradas… Os donos das empresas construtoras nem sabiam para onde se virar, tais eram as solicitações. E os ministros dos transportes? Esses, coitados, dedicavam-se tanto à causa pública que mais ano menos ano caíam lá, nessas empresas, e aqueles infelizes ficavam uma vida inteira a fazer estradas. 
Naquele país pequeno, havia agricultores e pescadores. Os primeiros, viviam do rendimento obtido no cultivo de terrenos rústicos. Os pescadores iam para o mar, logo ali ao lado, e assim angariavam a sua subsistência. 
Os regedores da CEE, lá da Europa, iam mudando e com eles os princípios que norteavam as políticas, como eles diziam. Era e parece que ainda é assim. Há, também, aquilo a que chamam parlamento europeu, à imitação dos de cada país, que é como se fosse um grande armazém, onde se encontram os representantes dos povos da europa. Coitados, longe das famílias, a trabalharem arduamente, ganham salários que mal lhes dá para tanta viagem. Para que tudo corra pelo melhor há, no dito país, os que há muito abandonaram as suas zonas de conforto e, assim dedicados à sua missão, habitam grandes casas ou mesmo palácios, enormes, muito antigos, com certeza cheios de correntes de ar, de humidade… Chega a ser revoltante.
Os agricultores deixaram de trabalhar. Os pescadores nem no barco entram. Uns e outros vivem ociosamente, à conta de quantias exorbitantes que recebem para nada fazerem. Até já se conta que doutores e engenheiros saídos das Universidades optam por ir cultivar as terras dos avós para as largarem passado algum tempo e assim ficarem bem de vida. Outros, inconscientes, o que querem é passeio e então vão por esse mundo fora. Nas empresas, que também as há, patrões e empregados, pura e simplesmente, fecham as portas e cada um vai à sua vida, não querem é trabalho. Claro que toda esta gente anda na boa. Qualquer embaraço, dirigem-se aos bancos ou, se bem calhar, até por telefone, e emprestam-lhe o que eles pretenderem a juros miseráveis. 
Até já consta que aquela gente dos bancos
está a passar por dificuldades...
Até já consta que aquela gente dos bancos está a passar por dificuldades… O escândalo, porque disso se trata, é tão grande, que o regedor supremo do tal pequeno país, ainda há pouco tempo declarou em público que se via aflito para que o seu salário lhe chegasse até ao fim do mês! É uma vergonha… Lá na rua, desde o supermercado à loja do pronto a vestir, todos se queixam dos calotes do senhor. A penúria daquela gente atingiu o impensável: o ministro das finanças vive com tão poucos recursos, que dá a impressão de que já nem força tem para falar. Diz tudo pausadamente, muito devagarinho, a soletrar as palavras. Conta quem sabe que lá em casa muita fominha se passa. Claro que tudo tem um limite…
A vida estava a ser demasiado penosa para estes senhores regedores e era preciso pôr termo a este estado de coisas. Então decidiram, para se compensarem do que penavam à semana, que passavam a juntar-se, de vez em quando aos sábados. Cada um levava o seu farnel e trocavam ideias sobre a forma como ultrapassar a crise de que estavam a ser alvo. O medo do povo era tanto, que se reuniam num forte, protegido por assustador corpo policial. Depois de muito tagarelarem uns com os outros chegou o dia em que emitiram um comunicado.
— O elevado nível de vida conquistado por este nobre povo é o fruto da intensa persistência deste governo na defesa dos interesses dos cidadãos. Por outro lado, não podemos deixar de constatar, com meritória satisfação, que o nosso pequeno país detém os melhores índices de crescimento dentro do espaço geopolítico que ocupa. Convém, no entanto, realçar o espírito altruísta e a abnegação com que os detentores de cargos públicos têm optado por salários modestos em prol dos seus concidadãos. 
A dedicação é enorme pelo que é de elementar justiça considerar estas profissões de
A democracia no seu maior esplendor
desgaste rápido. Tendo em vista a luta pela igualização dos diferentes sectores da vida nacional, vamos lançar uma taxa e não um imposto, dada a sobrecarga fiscal que já existe. Será, assim, o contributo solidário da geração grisalha (CSGG).

Os devaneios da apelidada revolução de abril favoreceram exclusivamente os jovens daquela época, agora grisalhos. 
Limitaram-se a fazer uns descontozitos e agora falta-nos dinheiro, principalmente, para os que serviram a nação pouco tempo mas com muita qualidade. O CSGG irá contribuir para uma maior justiça social, atraindo assim investimento estrangeiro que criará emprego sempre necessário a qualquer grisalho. Todos sabemos que os grisalhos não são demais para ajudarem filhos e netos da nação a terem uma vida próspera. Este país pequeno continua na rota dos descobrimentos. É uma vocação. Com o CSGG seremos mais iguais.

10 comentários:

  1. cl@carretolages.com2 de junho de 2013 às 09:19

    Ora temos um escritor com génio cáustico,utilizando o humor como uma luva de boxe. KO.Já diziam os romanos"Ludendo mores" Parabéns,Zé Luís

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  2. CSGG, ah, ah, ah.
    Meu amigo, estás cada vez melhor escritor. O sarcasmo, a ironia,o elevado sentido de humor, a criatividade que este texto nos mostra, a forma como mexendo com tudo isto conseguiste contar uma história verdadeira, é realmente de alguém que sabe mexer com as palavras. Se a realidade desta história não fosse tão má, tão desumana e injusta até nos poderíamos rir.Parabéns por mais este excelente trabalho.

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  3. Parabéns, amigo. Gostei imenso.
    Abraço grande.

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  4. a estética da ironia (não queirosiana), ao serviço de uma realidade actual.
    texto bem conseguido.
    o nosso zé luis, "evoluiu" bastante, o que me apraz registar.

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  5. Este nosso José Luís é mesmo um CSGG!

    Criativo
    Sedutor pela palavra
    Génio de grande inspiração
    Gigante pela justeza da crítica

    Com as armas que tão bem maneja, o poder da palavra e o sarcasmo elegante e contundente, atinge o alvo em cheio. E os seus textos dão-nos momentos de puro prazer!

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  6. Eu não sei se o Zé Luis "evoluiu" como diz a Graciete Manangão. Só sei que cada vez que leio qualquer texto, vejo uma mão "enorme" pegando um lápis bem afiado, como convém para certas ocasiões. O boneco desenhado deverá ser emoldurado e pendurado à altura dos meus olhos para que o possa contemplar e pensar no quanto foi bom ter conhecido tão bom retratista, pois os seus quadros merecem todo o meu respeito e admiração. Obrigada Zé Luis

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  7. "Era uma vez" uma Geração cada vez mais Grisalha de tanto a fustigarem com taxas e impostos, num país à beira dum ataque de nervos.
    Uma sátira cheia de humor e ironia, bem reveladora do talento do autor. Parabéns, Zé, Luís!

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  8. Ó Zé Luís, já disseram tudo sobre este texto e não deixaram nada para mim. Consigo dizer: gostei muito, parecem as bofetadas com luvas de pelica. Como o Zé Luís já nos habituou a um género de escrita que nos deixa boquiabertos.
    Parabéns.

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  9. Sarcástico, demolidor, irrascível, inconformado! Foi assim que sempre te encontrei: quem dera que a vida te não tivesse dado razão e não estivéssemos a viver hoje momentos que julgávamos impenssáveis... De trabalhadores incanssáveis passámos a peste grisalha - como eles se enganam: tu tiveste sempre cabelos brancos, por isso mesmo tens uma sabedoria que faz inveja a muitos deles!

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