sábado, 6 de julho de 2013

Abraços aos meus amigos

Fechamos com este texto a temática AMIGOS e AMIZADE, agradecendo a todos os que connosco quiseram colaborar.  


Fernanda Reigota
Meus amigos:
Neste final do verão da minha vida, todos vós sois imagens recorrentes no meu pensamento.
Meus amigos!

Não sei explicar o motivo destas visões: surgem, umas vezes sorridentes, outras contando episódios de que já nem me lembrava…
Ao longo da vida vamos alterando a perspetiva pela qual entendemos o que é um amigo. Hoje, é minha convicção que um amigo nunca pode constranger a liberdade do outro, nunca pode ser conscientemente constrangido na sua liberdade. Acredito que ser amigo é participar numa relação de inteira liberdade e diferença. Entendo a amizade como sendo sempre espontânea, havendo sempre apreço recíproco, dando cada um, nesse contrato tácito entre duas pessoas, apenas o que pode e quer dar.
Amigo não é a pessoa com quem trabalhamos confortavelmente, mas aquela que escolhemos, no intervalo para um café, e a quem perguntamos, como estás?
Amigo não é um companheiro de paródia, porque esses têm um objetivo comum que é divertir-se.
Amigo não se encontra obrigatoriamente nas relações familiares: estas não nascem de um entendimento tácito e espontâneo, é o nascimento que lhes dá consistência.
Designarei a amizade como o prolongamento do encontro de dois indivíduos continuando, cada um, igual ao que era. Simplesmente, existe, para eles, um elemento mais a contribuir para que a vida se mostre em plenitude.
A amizade é um sinal de inteligência emocional e adaptação do homem, que, assim, vai obstando à infelicidade da solidão.
Não me alongo mais, pois o mais importante é dirigir-me a cada um e dizer ao que vim. A cada um falarei. O nosso estatuto é de uma realidade meio ficcionada. Cada um não é uma pessoa particular, mas sois todos importantes, e, por isso, nomear-vos-ei por ordem alfabética.

...és uma mulher forte, de ideais, de trabalho
Ana, lembras-te como começou a nossa amizade? Há tanto tempo que não falamos, mas tenho a certeza de que, quando nos reencontrarmos, reataremos a conversa no ponto em que a deixámos. Melhor, o nosso olhar dirá numa fração de segundo tudo o que vivemos. Dir-te-ei, és uma mulher forte, de ideais, de trabalho…mas, tão nova, já o eras! Dir-te-ei, lembro-me sempre que és uma mulher de afetos, de atenção aos outros… Mandaste-me o livro onde publicaste a fotografia de circunstância que, na juventude, tirámos juntas… O meu silêncio é recusa de falar sem ser de viva voz. A nossa amizade assim o exige. Estas férias, está decidido, minha amiga!
Beatriz, Catarina, Diana, Ema,
Perdemos o contacto, mas recordo-vos sempre. Em que canto do mundo vos foi plantar a vida?
Lembro-me tão bem da força que tu, Beatriz, tinhas e como me ajudavas a trepar a nossa passagem secreta para não ficarmos enclausuradas no liceu durante os feriados, tão desejados, que os professores nos proporcionavam com alguma regularidade.

Depois veio aquela ideia peregrina das aulas de substituição e era contigo, Catarina, que conseguia inventar jogos para passarmos o tempo da dita aula. Nem um ruído se podia ouvir, mas nós as duas jogávamos por mímica, nem que fosse a calcular os pregos de todas as
... calcular pregos

carteiras da sala de aula. E, no fim, o problema tinha a solução correta: exercitávamos o nosso direito de liberdade e de amizade.
E nós, Diana, nas longas tardes de verão das férias grandes, quando já estávamos cansadas de ler, inventávamos mil pretextos para irmos caminhar na cidade e falarmos do nosso futuro: cada uma tinha-o tão bem desenhado em pensamento e falávamos com tal convicção, que ainda hoje não sei como a vida nos trocou as voltas.
Também te perdi o rasto, Ema, mas não esqueço a tua disponibilidade para, como profissional um pouco mais velha, me orientares a título de amizade, que quase nem sabia que já tinha principiado.

Francisca, vi-te florires para a maternidade, vi-te sempre com um sorriso para os amigos. Atendi as tuas chamadas surpreendentes, nunca percas os meus filhos de vista. Corri quando a aflição não era hipótese. Sempre olhámos o mundo com empenho, muito conversámos, muito concordámos, mas também muito discordámos.
Em muitas outras facetas das nossas vidas, o pretérito perfeito do modo indicativo está conjugado.
Tira um curso
Gustavo, nem sequer eras rebelde, mas nunca deixaste de pensar por tua cabeça e quando te injustiçavam, não te calavas. Isso valeu-te um estalo na cara que muito te magoou a alma. Eu lutei muito para teres a desculpa que te era devida, mas nada consegui. Como tu compreendeste nesse dia que o 25 de Abril tinha de ser feito todos os dias, porque muitos se mascararam para continuarem a ser os mesmos.
Que encanto, quando presenciei dizeres à tua mãe que, durante a aula de matemática, um passarinho tinha mergulhado trinta vezes numa poça de água! Já nessa altura te interessava a geometria de abraçares o mundo da fotografia. E, para isso, acabado o 12º Ano, partiste para França para tirares lá o teu curso de fotografia. Vai para a faculdade. Tira um curso. Depois talvez já nem queiras ser fotógrafo. Olhaste para a porta da vida chamada decisão, que para muitos nunca é aberta, e vendeste o apartamento que o teu avô te tinha deixado. Depois tudo se recompôs e hoje, quando, de tempos a tempos, nos encontramos, é uma festa em que muitas frases começam por” lembras-te?” e outras por “vou-te contar uma”

Helena, mulher linda, gestos de carinho, tu és a minha menina-encanto que me garantes a força que há nos jovens para serem os agentes da mudança que este mundo tanto precisa!


Inês, por ti sempre tive admiração, mas isso não é amizade. Sempre admirei a tua cultura
...tu fazes um amigo

sólida e sempre cultivada, a tua simplicidade para expores as tuas dúvidas, as dúvidas de quem quer trilhar continuamente o caminho do conhecimento.
A amizade por ti emergiu quando um dia consciencializei a delicadeza com que tratas as pessoas, mesmo quando lhes dizes verdades menos agradáveis ou as contradizes. De quem estiver disponível para a amizade, tu fazes um amigo.

Joana, vinhas menina silenciosa e a nossa amizade exigia um ritual, para se consentir a cada dia recomeçada: comias uma maçã que eu te lavava e ao som das tuas dentadas eu ia falando. Lembras-te da palavra grega hýpnos e de tantas outras a que prestavas atenção e te faziam rir?
No fim da maçã sorrias e dizias até amanhã. E eu ficava em sobressalto sempre que te atrasavas um pouco.
Hoje sorrimos sempre que o nosso olhar se cruza e, por momentos, se prende.

Laura, acordaste-me um dia manhã cedo, pois tinhas pressa de nascer. Ainda não era o SNS que transportava as parturientes e tudo se passou como combinado. Tu, eu e a tua mãe abalámos para a maternidade. A tua pressa era muita e eu, olho na autoestrada, olho na tua mãe, bem a via contorcer-se. Falei-te e disse que faltava pouco, íamos chegar dentro de minutos. Foi o nosso clique de amizade. Sossegaste e creio que sorriste, pois hoje é assim que tu falas: sempre com um sorriso a sublinhar o início de qualquer conversa.

É meu neto!
Nuno, meu primeiro neto, fruto da nossa cumplicidade. Como nos divertimos. Estranharam eu estar acompanhada por um menino que não conheciam e à curiosidade alheia, respondi, é meu neto. Todos estranharam, mas acreditaram e nós muito nos rimos depois. Estás longe, mas tão perto, e sempre que vens vejo nos teus olhos de jovem adulto a ternura de sempre, a ternura de quem bebia o biberão de mansinho, como quem saboreia a vivência de cumplicidades com um amigo. Imagino-te muitas vezes a brincares com um filho. E como gosto de vos apreciar.

Olavo, gosto de conversar contigo: trazes às conversas aquela perspetiva em que eu ainda não tinha pensado e deixas-me a procurar razões para, em muitos aspetos, não concordar com o teu ponto de vista. Isolas-te muitas vezes, talvez para tentares exorcizar os fantasmas que África tatuou na tua pele, mas quando apareces, vens de vista límpida e lúcida para o presente. Há amizades assim: sempre de conversa feita a tecer a vida.


Paula, Regina, Sara, Sofia, Vasco, Vitória,
Querem ver que descobrimos uma nova forma de amizade?!
Pelo que já referi sobre o tema, não partilho a ideia de haver grupos de amigos. Mas somos um grupo. Com cada um partilho um acordo tácito de estar por inteiro. E o contrário também é verdadeiro. Estamos todos de livre vontade e não nos integramos, como grupo, em nenhuma instituição. Querem ver que nesta altura da vida descobrimos uma nova forma de amizade?!


Fernanda Reigota ©2013,Aveiro,Portugal

7 comentários:

  1. niciámos o tema Amigos e Amizade com um texto de Fernanda Rendeiro e, por coincidência, é com a mesma autora que o encerramos. Fernanda Rendeiro traz-nos sempre reflexões que estabelecem o contraditório e empenham os colaboradores. É com enorme agrado que assinalamos a participação de tantos colaboradores neste blogue. Hoje estamos a celebrar um novo texto da Fernanda e "Antes que seja tarde" vejam também Manuel da Fonseca, na página Poemas e Livros. Depois nada melhor do que 20 000 visualizações no dia em que contamos com um texto especial duma pessoa que tornou tudo isto possível. Obrigada,Fernanda! E venham celebrar connosco...

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  2. É verdade. Foi a Fernanda que tornou tudo isto possível.Os textos dela são sempre reflexões que empenham os colaboradores. Afinal não sou eu que tenho uma memória de elefante. Gostei muito do teu texto,que mais uma vez primou pelo especial.

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  3. "Estas duas pontes, "já feitas uma só" sugerem-me uma outra com sete entradas, obra de arquitetura à base de palavras cimentadas pela amizade - EVOLUIR -"Com tanta ponte não há falta de amizade que perdure. Há grupos e grupos... Se necessário... fazemos um sindicato. Obrigado pelo "acordo tácito" e pelo entusiasmo que me tem sabido passar.(Oxalá nenhuma vírgula me traia).

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  4. É sempre um prazer ler o que escreves, ouvir as tuas ideias, partilhar contigo essa tua sensibilidade, aprender contigo como a vida pode e deve ser sempre um abraço, um sorriso, uma ponte para mudanças, uma ancora onde nos juntamos para renovar energias.
    É muito bom fazer-mos parte deste reino em que és a rainha, professora e amiga.
    obrigada.

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  5. Eu não vou falar do estilo, nem da forma, nem do conteúdo. Admiro a garra com que este texto foi feito, admiro a memória e o seu chamamento, admiro a descrição de tantas e tão variadas situações de amizade que abarcam várias etapas da vida e se entrecruzam num momento de rara introspecção. E ouso dizer que também estou ali, mesmo que numa palavra perdida, mesmo que numa gaivota pousada: foi muito bom terminar o tema da Amizade com este trabalho. Muito mais que um trabalho ele é o reflexo duma vida – e que vida!

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  6. Fica, assim, encerrado o tema com chave de ouro. "A amizade é um sinal de inteligência emocional", uma necessidade, uma inevitabilidade decorrente das interações humanas e da nossa busca incessante do equilíbrio, da felicidade, da plenitude. O nosso universo de amigos está sempre aberto a novas estrelinhas. Obrigada por me terem incluído na vossa constelação.

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  7. E quis o tempo e a oportunidade que fosse eu a fechar o nosso ciclo de comentários. Ontem passei por aqui, mas faltaram-me as palavras. Hoje ainda não apareceram. Contudo, e porque amanhã penso não ser muito correto e também na incerteza de continuar com esta falta de palavras, apenas quero expressar aqui o quanto me faz sentir viva quer me chame Paula, Regina, Sara, Sofia ou Vitória. Obrigada Fernanda por ter contribuido também para a nossa união.

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