quarta-feira, 1 de abril de 2015

Se bem pensei melhor o fiz

Maria Jorge


Hoje acordei, sentei-me na cama e de repente senti uma vontade desmedida de transgredir, de não fazer nada que tinha planeado no dia anterior.
Esta é a altura do ano em que normalmente faço uma vistoria à minha casa, e, entre outras coisas, revolvo gavetas para depois as deixar um pouco mais desocupadas, dando outro destino às peças que considero mais inúteis para mim e talvez mais úteis para alguém.
Desperdiçar este dia?
Mas… o dia hoje amanheceu radiante com o sol a espreitar pela janela do meu quarto.
Desperdiçar este dia? Nada disso, este trabalho podia esperar. Há coisas muito mais interessantes para fazer, pensei.
Se bem pensei, melhor o fiz. Peguei as chaves do meu carro e desafiei a minha companhia habitual.
Contemplando aquela extensão de mar, fechei os olhos e deixei-me levar pelo silêncio da praia deserta, interrompido de vez em quando apenas por alguma gaivota mais atrevida ou pelo sussurro daquelas pequenas ondas que teimavam em quererem molhar-me os pés.
Regressei a casa ao fim da manhã. Afinal valeu a pena não arrumar gavetas. 

Maria Jorge ©2015,Aveiro,Portugal

6 comentários:

  1. A descrição autêntica de um apelo a que todos estamos sujeitos e nem sempre temos a sabedoria de atender: trocar o trivial pelo especial.
    Simples e verdadeiro. Parabéns.

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  2. Eu gostava sinceramente que estes dias fossem uma vertente diária! Claro que trocar as voltas às regras é mesmo o melhor que nos resta fazer. Mas o que gostava mesmo, mesmo era que estas palavras não fossem metidas dentro da gaveta, esquecidas e amarrotadas como papel velho. Sábias "palavras", Maria.

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  3. Ao ler este belo "Se bem pensei melhor o fiz" veio-me à ideia esta prenda que te deixo.
    Liberdade

    Ai que prazer
    Não cumprir um dever,
    Ter um livro para ler
    E não fazer!
    Ler é maçada,
    Estudar é nada.
    Sol doira
    Sem literatura
    O rio corre, bem ou mal,
    Sem edição original.
    E a brisa, essa,
    De tão naturalmente matinal,
    Como o tempo não tem pressa... .......

    Do nosso Fernando Pessoa.

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  4. Quanto à foto que acompanha este texto, diria, como um amigo meu dizia, quando pretendia mostrar grande admiração por qualquer coisa ou acontecimento, é uma foto do caraças!

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  5. De Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:"Tudo vale a pena se a alma não é pequena". O salpico das ondas, nos lábios deixa um sabor a sal o que é delicioso. O arrumar gavetas, dá-nos um certo gozo. Continua minha amiga. JHS.

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  6. Também me deliciei com o texto de que destaco esta passagem "Contemplando aquela extensão de mar, fechei os olhos e deixei-me levar pelo silêncio da praia deserta, interrompido de vez em quando apenas por alguma gaivota mais atrevida ou pelo sussurro daquelas pequenas ondas que teimavam em quererem molhar-me os pés."
    E cada EU recria até ao infinito momentos de VIDA como estes.

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