terça-feira, 8 de setembro de 2015

A necessidade obriga…

José Luís Vaz 


Numa aldeia, lá perdida no meio da serra, habitada por algumas, muito poucas, famílias, as pessoas viviam do sustento que a terra lhes proporcionava. Era normal criarem animais que, ou vendiam ou abatiam para a sua alimentação. Não havia casa que não tivesse um
...bicavam do chão
bom galinheiro, que, como tal, só funcionava durante a noite, pois durante o dia, galinhas, galos e frangos bicavam do chão tudo aquilo que encontravam. Ao escurecer, era certo e sabido, todos os galináceos recolhiam ao seu poleiro acocorando-se até à madrugada do dia seguinte.
De vez em quando, havia grande alarido no povoado com o alvoroço num ou outro galinheiro, altas horas da manhã. Claro, alguém a tinha pregado: ou raposa ladina perita na arte, ou algum amigo do alheio aproveitando o sossego nocturno, subtraía um ou mais bicos ao galinheiro visitado.
No dia seguinte, não se falava noutra coisa. Para uns, só podia ser raposa matreira, de tão rápido o assalto, para outros, “sabe-se lá…”, isto e aquilo, e ficava a pairar no ar uma desconfiança nunca revelada.
O sacristão da terra, o mais letrado, a seguir ao padre da freguesia, andava desconfiado e montou a sua própria investigação, sem dar parte de fraco, nem dizer nada a ninguém.
Começou a aperceber-se que um jovem rapaz, volta e meia, ia à igreja e pregava-se de joelhos à frente de uma imagem de Santo António com o Menino Jesus ao colo. Ali permanecia um bocado e vinha-se embora sempre muito bem-disposto.
O menino cale-se...
Certo dia, antecipou-se ao jovem e foi esconder-se atrás da referida imagem. Como habitualmente, o visitante ajoelhou-se e julgando-se sozinho na igreja iniciou uma conversa com Santo António, em voz alta.
— “Ai, meu Santo Antoninho, eu voltei a pecar. Sabes, nós somos os mais pobrezinhos cá da terra e eu tenho muitos irmãos pequeninos… tenho que ajudar os meus pobres pais a matar-lhes a fome! Eu prometo, meu querido Santo Antoninho, nunca mais fazer o mesmo. Eu sei que já me perdoaste doutras vezes mas a partir de hoje, não vou voltar a assaltar mais nenhum galinheiro.”
Nesta altura, o sacristão, imitando a vozita do Menino Jesus, disse:
—“Olha, o meu paizinho só te perdoa, se fores entregar aos donos as galinhas que roubaste”.
— Resposta do pecador: “O menino cale-se sim, porque eu estou a falar com o seu paizinho.”  


José Luís Vaz ©2015,Aveiro,Portugal

1 comentário:

  1. Um texto bem escrito, que dispõe bem quem o lê e arranca um sorriso ao mais sisudo dos sisudos. Gostei muito .

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